
A Construção Civil enfrenta efeitos da crise que assolou o país desde meados de 2014, estando o empresariado da classe responsável pela manutenção e solidez das corporações, as quais foram responsáveis pela criação de mais de 71.115 empregos formais no ano de 20191.
Os impactos da declaração de Pandemia COVID-19 na geração de receita das empresas e os efeitos avassaladores no setor dispensam maiores comentários, porquanto de conhecimento público e notório.
Superado o período de Pandemia, a construção civil enfrentará novos desafios, até então desconhecidos para os gestores atuais, pois especialistas comparam a taxa de mortalidade atual aos efeitos da Gripe Espanhola de 1918.
Na tentativa de frear os índices de letalidade e o colapso no sistema de saúde, os poderes executivos federados publicaram diversas Portarias e Decretos, os quais tem o condão de vetar o exercício de atividades consideradas não essenciais, dentre elas a construção civil.
O contexto mundial caótico trouxe diversas problemáticas, inclusive o futuro atraso na entrega das obras, bem como de averbações imprescindíveis perante os Registros de Imóveis, gerando, por via de consequência, uma gama de cronogramas de obra em desacordo com a realidade fática e promessas de compra e venda com cláusulas descumpridas.
O atraso na entrega das obras é uma das consequências a ser enfrentada, a qual poderá vir a se tornar a nova fonte de ações massivas, caso não haja um enquadramento pacificado de inaplicabilidade compulsória da cláusula inerente à mora e suas penalidades, no período em que perdurarem as restrições e efeitos impostos pelo estado de calamidade pública nacional, declarado em 20 de março de 2020 pelo Governo Federal.
Os contratos firmados, em sua maioria, já contam com a previsão de cláusula de tolerância, a qual é plenamente válida, conforme definido pelo STJ no REsp 1.582.318 no ano de 2017. Na aludida disposição contratual, temos os institutos conhecidos como caso fortuito e força maior, dispostos no Artigo 3932 do Diploma Civilista, artigo esse que será cada vez mais explorado em vasta gama de publicações, teses e decisões judiciais, por consequência do COVID-19 e sua relação como excludente de responsabilidade civil.
Em não havendo chancela do Poder Público, a realidade será a judicialização massiva do tema. A Construção Civil nunca esteve tão perto de aplicar com efetividade a tese defensiva de caso fortuito/força maior e ter provimento de mérito. Um dos principais entraves de aplicação da tese, até o presente momento, é a Resolução de nº 443 do CJF, coordenada na época pelos Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Paulo de Tarso Sanseverino, a qual dispõe que “o caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida.”
Em que pese extensas discussões doutrinárias sobre a aplicabilidade de caso fortuito ou força maior, incumbe me filiar a corrente adotada que entende ser correta a nomenclatura "caso fortuito" seguindo o clássico conceito sobre o tema, nas palavras de Fabio Ulhoa Coelho3:
“O fortuito é todo evento desencadeado de danos não originados pela culpa de alguém. Pode referir-se a fatos da natureza (enchentes, queda de raio, terremoto) ou humanos (produção em massa, prestação de serviços empresariais). A característica fundamental do fortuito é a inevitabilidade. O evento é inevitável em razão da imprevisibilidade (inevitabilidade cognoscitiva), da incapacidade humana de obstar seus efeitos danosos (inevitabilidade material) ou da falta de racionalidade econômica em obstá-los (inevitabilidade econômica).”
Não obstante, a conceituação ou a corrente seguida não terão qualquer condão de afastar a aplicabilidade prática dos institutos em teses defensivas, posto que a imprevisão momentânea e oriunda de fatores externos parece ser a justificativa plausível para extensão do prazo de entrega da obra para além dos limites previstos na cláusula de tolerância e a legislação em vigor traz o mesmo efeito prático independente da nomenclatura adotada pelo advogado.
Resta saber quais serão os critérios considerados pelos julgadores, assim como o lapso temporal a que estará sujeira a limitação. Seria coerente aplicar o instituto somente enquanto perdurarem as restrições ao exercício das atividades profissionais ou estender até a declaração final do estado de calamidade pública?
Pois bem, somente o futuro nos trará a resposta quanto ao entendimento jurisprudencial a ser firmado sobre o tema.
1Fonte: CADASTRO GERAL DE EMPREGADOS E DESEMPREGADOS-CAGED. LEI Nº 4.923/65-SEPT/ME.
2 Art. 393 da Lei de nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002: O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir.
3Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Civil, volume 2. São Paulo. Ed. Saraiva, 2004. p. 389.
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